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segunda-feira, 11 de junho de 2012

O Brasil Cospe nos Seus Heróis


Mesmo num período com poucos dias de folga, pude andar em várias cidades por aqui. Sejam pequenas, médias ou grandes, em todas se vê muitas, vou repetir, MUITAS placas de bronze ou mármore, moderns ou milenares, enaltecendo seus heróis. Coisa pequena, como os filhos da cidade que foram prá guerra na Argélia ou no Afeganistão, mas tem...
Aí começo a ler jornais no Brasil.  Lembram-se de Francisco Bazílio Cavalcante? Pois é, nem eu...
Em março de 2004, a vida de Francisco foi parar em todos os grandes orgãos da imprensa. Ele, que morava no Céu Azul (GO) e ganhava R$ 370 mensais, encontrou uma maleta com mais de US$ 10 mil, equivalentes, à época, a R$ 30 mil, esquecida em um banheiro do aeroporto de Brasília. Francisco não hesitou. Usou o sistema de som do saguão para anunciar o achado. Momentos depois, o dono do dinheiro, um turista suíço, apareceu. Deu-lhe lá umas 3 ou 4 notas, um muita oprigada e sumiu.
O mesmo homem hoje tem 64 anos. Na época, apareceu na tevê, deu entrevistas a rádios e realizou um de seus maiores desejos: conhecer pessoalmente o 9 dedos, nordestino como ele, que o recebeu no Palácio do Planalto, e de quem ouviu promessas do nêgo e o cachimbo. Ótima propaganda pro salafrário. Francisco até levou uma caneta para presenteá-lo.
Depois da promessa de promoção no emprego, foi usdo no slogan Sou brasileiro e não desisto nunca, repetido por Francisco em vários canais de televisão, inclusive em horário nobre. Francisco ainda tem a fita VHS com o comercial gravado guardada em casa. Claro que o cachê ficou prá agência paga a preço de ouro pelo governo e ele não recebeu nada em troca das aparições públicas. “Só quis mostrar como valia a pena ser honesto no ambiente de trabalho. Só ganhei a chance de dizer isso para as pessoas”, disse Francisco.
Tá vai...A promoção veio tempos depois. O servente terceirizado que ganhava R$ 370 mensais, passou a receber R$ 1,2 mil, como supervisor-geral. Com reajustes, chegou a ganhar R$ 1,9 mil, até este ano.
No próximo 21 de setembro Francisco poderia se aposentar. Já tinha até planos e contas para ter o merecido descanso, após 35anos com carteira assinada, todos no Aeroporto Internacional de Brasília.
Mas uma troca no contratado que presta serviços gerais no local atrapalhou os planos de Francisco. Aquele homem que alimentava  o sonho de que todos podiam alcançar o céu, permanecia no mesmo lugar. Nem tão cedo entrará pela primeira vez num bezourão de aço rumo a Sobral/CE, onde nasceu.
Foi apresentado ao país como alguém que andava preocupado por não ter R$ 28 para quitar a conta de luz, mas, ainda assim, retornou a mala cheia de dólares ao proprietário. “Não quero nada que não seja meu”, justificou.
Na troca de contrato, os 200 funcionários antigos puderam continuar trabalhando. Se Francisco quisesse continuar trabalhando, teria que voltar ao cargo de faxineiro. Em lugar do terno e gravata de supervisor, voltaria a vestir o macacão da limpeza. Passaria a ganhar R$ 622. A aposentadoria, daqui a quase quatro meses, foi pro espaço.
Em 2004, graças à honestidade, Francisco andou pela primeira vez de avião. Ganhou três anos de passagens grátis para o Ceará. Quando chegava ao aeroporto de Fortaleza era tratado como “doutor”, como ele mesmo diz. “Tinha carro da Infraero e tudo esperando eu e a minha mulher para levar para Sobral (cidade de origem de Francisco, a 400km de Fortaleza)”, lembrou. Reformou a casa em que mora com a mulher Raimunda Nonata, 61 anos. Colocou forro no teto e piso de cerâmica. Passou a ajudar financeiramente os cinco filhos, os oito netos e os pais, que ainda moram no Ceará e puderam comprar o primeiro aparelho de televisão com o dinheiro enviado mensalmente pelo filho.
O supervisor recebeu medalha de honra ao mérito do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e tornou-se cidadão honorário de Brasília, nomeado pela Câmara Legislativa. Jamais imaginou tanta pompa. Logo ele, filho de agricultores, o mais velho entre 12 irmãos, que estudou apenas até o segundo ano do ensino fundamental. Logo ele, que jamais teve a chance de sonhar com uma profissão que exigisse diploma, mas dedicou-se ao ofício de limpar as dependências do aeroporto com o cuidado de quem sabe que aquela é tarefa essencial. “Quando era menino, lidava na roça. Depois, casei e tinha de sustentar a família. Não deu tempo de querer muito, só de trabalhar mesmo”, disse Francisco.
Francisco não se conforma. “Não é que eu pense que a faxina é menos, sabe? Eu só acho que não mereço perder os meus direitos, depois desse tempo todo. Não tem tanta justiça assim neste mundo. Às vezes, acho que estou sonhando de novo, mas, desta vez, é um pesadelo”, desabafou. Francisco garante: jamais se arrependeu de ter devolvido o dinheiro encontrado. Ele se lembra das palavras sobre persistência que disse a outros brasileiros, no comercial de tevê. Já não sabe no que acreditar. Por enquanto, só consegue achar que acordou de um sonho bom.
Cadê o 9 dedos ou a governANTA agora?

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